Resumo
A partir da imprensa periódica, este artigo procura analisar a relevância que os escravizados aplicados ao trabalho na cozinha tiveram no século XIX no Brasil. A estrutura do texto encontra-se dividida em dois eixos, primeiro apresentando alguns números desse mercado e em seguida explorando importantes aspectos do cotidiano dos cozinheiros. Com uma análise quantitativa e qualitativa dos anúncios de três periódicos publicados em Rio de Janeiro, Petrópolis e Niterói, argumentamos que o ofício de cozinheiro foi o mais demandado nos espaços urbanos fluminenses e serviu, em muitos casos, como mecanismo de enriquecimento à classe senhorial. Neste cenário, três cidades, que foram politicamente importantes ao longo do Oitocentos, partilharam semelhantes dinâmicas no que se refere ao mercado dos escravizados deste ofício.
Palavras-chave: escravidão urbana; cozinha; Rio de Janeiro; século XIX; imprensa.
Resumen
Este artículo utiliza anuncios en periódicos del siglo XIX para estudiar la importancia que tenían los cocineros esclavizados en el Brasil de esa época.Dividido en dos partes, el texto explora algunas figuras de este mercado y la vida cotidiana de los trabajadores esclavizados en la cocina. A partir de una revisión cuantitativa y cualitativa de tres publicaciones periódicas publicadas en Río de Janeiro, Petrópolis y Niterói, sostenemos que el trabajo de cocina era el más solicitado en las areas urbanas y sirvió, en muchos casos, como mecanismo de enriquecimiento de la clase dominante. De esta manera, observamos que estas ciudades, todas politicamente importantes a lo largo del siglo XIX, compartían dinámicas similares respecto a este tema.
Palabras clave: esclavitud urbana; cocina; Rio de Janeiro; siglo XIX; prensa.
Abstract
This article seeks to analyze the relevance that enslaved cooks had in Brazil during the 19th century based on the analysis of printed periodicals. The text is divided into two sections, presenting the figures for this market and exploring some important aspects of the cooks’ daily lives. Using quantitative and qualitative review of advertisements from three newspapers published in Rio de Janeiro, Petrópolis and Niterói, we argue that the kitchen work was the most requested in the urban areas and served, in many cases, as a mechanism for enriching the ruling class. With this point of view, we were able to observe that these cities, all politically important throughout the 19th century, shared similar dynamics regarding this topic.
Key words: Urban slavery; Kitchen; Rio de Janeiro; 19th Century; Press.
Introdução
“– Oh, Senhor! É sina minha andar atrás de cozinheiras!”
É assim que Araújo protesta ao fim de um dia em que recebeu duas indesejadas notícias: a casa da sua esposa e a da sua amante tinham ficado sem as respectivas cozinheiras. No dia seguinte, lamentava o homem, teria que “agarrar no Jornal do Commercio, meter-se num tílburi, e subir cinquenta escadas à procura de uma cozinheira”. A tarefa não era fácil e Araújo recordava de outras vezes em que procurou por trabalhadoras deste ofício, quando ia aos locais informados nos anúncios do periódico, mas a resposta era “já está alugada”.
A história de Araújo está em A Cozinheira, de Artur Azevedo (43-51), escritor que observou o cotidiano do Rio de Janeiro nos seus escritos. O conto foi lançado pela primeira vez em 1894 e retrata numa curta narrativa a demanda existente na cidade por trabalhadores de cozinha em fins do século XIX. Azevedo escreveu o texto poucos anos após a abolição da escravidão, que se deu em 1888, mas esta grande demanda por cozinheiras e cozinheiros impactou fortemente a circulação de escravizados no ambiente urbano ao longo do Oitocentos. Aliás, a rotina de Araújo abrindo os periódicos procurando por trabalhadores capazes para a cozinha foi a de muitos no Rio de Janeiro oitocentista, onde os anúncios de escravizados e escravizadas deste ofício foram copiosos.
O Rio de Janeiro do século XIX representou uma região de grande crescimento do tráfico de cativos.² Em voo de síntese, alguns aspectos explicam o aumento, como a transferência da corte portuguesa para a cidade, em 1808,³ e a ascensão do café no Vale do Paraíba.⁴ Além disso, a cidade, que se tornou a principal encruzilhada do império no século XVIII pela sua posição privilegiada com as regiões auríferas e com a Colônia de Sacramento (Sampaio), mantinha ligação com uma rede que transferia cativos para outras regiões brasileiras (Florentino, Escravidão 150-151). Proibido o tráfico da África para o Brasil em 1850, o Rio continuou a receber cativos a partir da migração interna forçada de escravizados, sobretudo a partir do Norte (Conrad 64). Isso foi possível devido à presença alastrada de escravizados no Império do Brasil, onde as fronteiras da escravidão coincidiram com as do Estado nacional, não existindo território livre de escravidão, como havia nos Estados Unidos da América (Parron 204; Carvalho, D. Pedro II 132).
Neste cenário, a escravidão foi amplamente presente tanto no campo quanto na cidade. Sobretudo nas zonas urbanas,⁵ o ofício de cozinheiro assumiu uma importância marcante nas habitações da classe senhorial e em espaços comerciais variados. Pesquisas recentes como as de Taís de Sant’Anna Machado, José Bezerra Neto, Sidiana Macêdo, Amanda Souza e Carlos Alexandre Plínio dos Santos procuram recuperar a relevância que o trabalho de cozinheiras negras e cozinheiros negros tiveram na história do Brasil. Este movimento também se dá, por exemplo, nos Estados Unidos, com destaque para o trabalho de Kelley Fanto Deetz, que refere escravizadas e escravizados na cozinha como uma das imagens mais prevalentes e duradouras da escravidão norte-americana; e em Nova Granada (atual Colômbia), destacando-se os recentes estudos de Esteban Zabala Gómez, que, analisando a região de Vale do Cauca, refere que, no período da escravidão, “um dos trabalhos mais apreciados era o serviço doméstico e, sobretudo, o trabalho na cozinha” (Gómez, Trapiches 230). Estudar as dinâmicas e as especificidades de um determinado ofício exercido por cativos tem permitido revelar com mais clareza a complexidade dos mundos da escravidão.⁶
As fontes diversas que permitem ler o cotidiano das cidades no século XIX certamente têm muito a dizer sobre a experiência dos cozinheiros e cozinheiras escravizados. Algumas dessas fontes são os periódicos, sobretudo os anúncios neles impressos. Para o estudo da escravidão, a imprensa tem sido cada vez mais destacada como uma fonte capaz de iluminar a rotina das sociedades escravistas por onde circulavam os jornais.⁷
Propomos neste artigo, a partir do exame de três periódicos da região fluminense, analisar a relevância que o ofício de cozinheiro teve no século XIX. Para tal, elegemos três períodos distintos e três periódicos publicados em diferentes cidades, com dimensões também diferentes. ⁸ A hipótese é a de que, quer em cidades grandes quer em cidades com menores dimensões, a alta demanda pelo ofício de cozinheiro foi um padrão oitocentista.
A Gazeta do Rio de Janeiro, publicada nos anos em que a monarquia portuguesa esteve instalada nos trópicos, foi a primeira escolha. Esta gazeta, com características de Antigo Regime na sua estrutura, circulou entre 1808 e 1822 numa época em que a publicação de anúncios foi se tornando um elemento primordial à venda de produtos (Morel 166; Neves 9). Para o nosso estudo, utilizamos os anúncios entre 1809 e 1821, pois em 1808 nenhum “aviso” sobre escravizados foi publicado e em 1822, devido à liberdade de imprensa e a concorrência do Diário do Rio de Janeiro, inaugurado no 1º de junho de 1821, a gazeta praticamente eliminou a publicação de anúncios.⁹ Os 13 anos de circulação desta gazeta coincidiram com o período de súbito aumento da escravidão no Rio, tendo o periódico registrado um crescimento exponencial dos anúncios relacionados à população escravizada (Pires, A escravidão 178).
A segunda escolha se refere a um período mais avançado, a década de 1850, que se insere no espaço temporal classificado como o apogeu do Segundo Reinado(Carvalho, A construção da ordem 59), e numa região, Petrópolis, que abrigou um pequeno crescimento urbano devido à instalação periódica da corte imperial na cidade, tornando-se uma espécie de capital de verão (Mauro 190). Para Petrópolis, que foi elevada à categoria de município em 1857, utilizamos o periódico O Parahyba, que circulou entre 1857 e 1859, abrigando uma marcante presença de anúncios sobre escravizados (Pires, O cativeiro 61). Neste caso, trata-se de uma publicação produzida numa época posterior ao encerramento do tráfico atlântico de escravizados, proibido em 1850.
Por fim, selecionamos outra importante cidade, Niterói, capital da província do Rio de Janeiro desde 1835. Desde que foi elevada à condição de município (ainda com o nome de Praia Grande) em 1819, Niterói absorveu investimentos públicos para estabelecer um espaço urbanizado (Campos 148). Para esta região, utilizamos o periódico O Fluminense, fundado em 1878, analisando os anos entre 1879 e 1881, situados já na década final da escravidão no Brasil, quando se encontrava oficializada, desde 1871, a Lei do Ventre Livre, que tornava livre todo escravizado nascido a partir de então e reconhecia legalmente algumas vias para a obtenção da liberdade que pouco a pouco vinham sendo adotadas pelo costume (Chalhoub 95-174). A nossa paisagem documental, portanto, compõe-se de periódicos de três diferentes cidades, com populações de ordens diferentes e em momentos distintos do século XIX.¹⁰
Os números da alta demanda por cozinheiros no século XIX
O ofício de cozinheiro foi o mais requisitado para o trabalho escravo nas áreas urbanas fluminenses ao longo do século XIX. Pelo menos a análise sistemática dos anúncios dos periódicos oitocentistas permite esta leitura. Para chegar a esta conclusão, analisamos 2229 propagandas referentes ao trabalho escravo publicadas na imprensa periódica no Rio de Janeiro, em Petrópolis e em Niterói. Encontramos 468 cozinheiros anunciados. Esta função foi identificada a partir de variadas menções nos textos impressos, pois, para além de “cozinheiro” ou “cozinheira”, contabilizamos também os anúncios que citavam que o indivíduo “sabe cozinhar”, “cozinha” ou era “ajudante de cozinheiro”.
Quer entre os homens escravizados quer entre as mulheres escravizadas o trabalho na cozinha teve uma alta demanda. Na paisagem urbana do século XIX, além das referências que permitem enquadrar os anunciados como trabalhadores de cozinha, outras funções correlatas aparecem sendo exercidas por cativos ou cativas, tais como copeiro, padeiro, doceira e até, de certa forma, o ofício de quitandeiro ou quitandeira.¹¹
Na Gazeta do Rio de Janeiro, consultamos 1474 anúncios relacionados à população escravizada – “avisos” de compra, venda, aluguel ou fuga de cativos. Para o caso d’O Parahyba, encontramos 82 anúncios desta categoria. Por fim, n’O Fluminense, foram 673 anúncios encontrados. Mas, no caso d’O Fluminense, mais do que nos outros dois, as propagandas por vezes não permitem determinar se o anunciado era escravizado ou não.¹²
O triênio para o qual pesquisamos as edições do periódico de Niterói se insere numa paisagem em que o trabalho escravo estava fortemente reduzido e impactado pelas graduais conquistas das lutas dos negros pela liberdade e pelas medidas restritivas à escravização. Nesta paisagem, “os trabalhadores livres se ‘alugavam’ da mesma forma que os escravos eram colocados em locação por seus senhores” (El-Kareh e Bruit 78), existindo uma ainda maior convivência entre trabalhadores livres, libertos e escravizados nos anúncios. O estudo de Henrique Espada Lima (289-326) aponta para um universo em que os libertos, e mesmo os trabalhadores livres pobres, viviam uma liberdade marcada pela precariedade. Neste cenário, espelhava-se nas propagandas da imprensa o que se verificava nas ruas urbanas, onde nem sempre era possível saber pela aparência a condição social de uma pessoa (Chalhoub 213).
O resultado da nossa análise em mais de dois mil anúncios está nas tabelas a seguir. ¹³
Apesar de termos avaliado os anúncios do Rio de Janeiro apenas para o período entre 1809 e 1821, outras evidências indicam que os cozinheiros e as cozinheiras continuaram a predominar na Corte com o avançar do século.Uma análise coordenada por Keila Grinberg e Mariana Muaze (9-12) para o ano de 1840 do Jornal do Commercio, nessa altura um dos principais periódicos da cidade, revela que o ofício de cozinheiro foi o mais anunciado nesse ano – “cozinheiro” e “cozinheira” foram individualmente referidos 382 vezes, além de outras variadas menções mescladas a outras funções. Uma análise de Zephyr Frank (48), com amostras dos anos 1840 e 1850 do mesmo periódico, constatou que escravizados domésticos do sexo masculino quase sempre eram anunciados como cozinheiros. Analisando inventários post-mortem entre 1810 e 1849, Luiz Carlos Soares (492-493) encontrou uma série de trabalhos exercidos por escravizados listados nos documentos, dos quais, excetuando-se funções generalizantes como “trabalhador rural” e “serviçal doméstico”, o ofício específico mais referido é o de cozinheiro. Para o fim do século XIX, Flávia Fernandes de Souza (130) analisou amostras de matrículas de escravizados da década de 1880 e encontrou sobretudo as funções de cozinheiro, ajudante de cozinha e copeiro no caso dos homens, enquanto, no caso das mulheres, localizou os variados serviços domésticos, entre eles o de cozinheira.
As estatísticas extraídas dos anúncios revelam que o ofício de cozinheiro tinha uma importância vital para a classe senhorial nas cidades e que essa importância foi transversal a todo o século XIX. Ainda que a interpretação de Almir Chaiban El-Kareh e Héctor Hernán Bruit (78) – os autores defendem que a “gastronomia ocupava uma posição secundária nas preocupações da família carioca, que se contentava com uma cozinha trivial”, uma vez que apenas um terço dos anúncios de cozinheiros no Jornal do Commercio na segunda metade do século XIX era de bons cozinheiros e cozinheiras – possa estar de acordo com a realidade, o fato é que, contentando-se ou não com o trivial, o ofício de cozinheiro era amplamente requisitado e, portanto, tinha uma função vital. Não fosse assim, não existiriam tantos cozinheiros anunciados, pois, conforme defende João Luís Lisboa (26), se os anúncios davam garantias de resultados aos anunciantes, também dão garantias aos investigadores na sua utilização enquanto fonte de análise.
Além das estatísticas que mostram uma dominante presença do ofício de cozinheiro, o discurso de alguns anunciantes ilumina um ambiente urbano com ampla procura pelo trabalho na cozinha de homens e mulheres escravizados, e também com disponibilidade de cativos com tais capacidades. Por exemplo, os abundantes anúncios que mencionam qualidades físicas e comportamentais dos cativos – mencionava-se queo cozinheiro era “morigerado” (O Fluminense, 19/3/1880), “muito submisso” (O Fluminense, 28/10/1881), “fiel” (Gazeta do Rio de Janeiro, 22/5/1816; O Fluminense, 29/1/1879; O Fluminense, 12/5/1880), com “conduta afiançada” (O Fluminense, 17/1/1879; O Fluminense, 9/5/1880; O Fluminense, 4/9/1881), “sem defeito algum” (Gazeta do Rio de Janeiro, 26/2/1817), “sem maus costumes” (Gazeta do Rio de Janeiro, 13/9/1815), etc., – revelam algum nível de competitividade entre os senhores anunciantes de escravizados, sobretudo no Rio de Janeiro e em Niterói.
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Ainda no início do século XIX, um aviso informava que um escravizado cozinheiro era “muito próprio para casa de pasto” e vinha sendo alugado “por vezes” para este ofício (Gazeta do Rio de Janeiro, 7/3/1818). O “por vezes” revela alguma demanda pela função, dado que o cativo vinha sendo repetidas vezes alugado, reiterando a constatação que Karasch (287) faz ao identificar uma “grande demanda por cozinheiros e chefes de cozinha capazes”. O rendimento obtido pelos senhores com esses alugueis também pode ser dimensionado a partir de alguns anúncios.
Se a Gazeta do Rio de Janeiro não traz anúncios com o valor de um aluguel referente a algum cozinheiro ou cozinheira, apesar de imprimir variados “avisos” de aluguel de cativos deste ofício, podemos ter uma ideia a partir de um anúncio que informa que uma “quitandeira”, que sabia cozinhar e lavar, dava de “jornal mensalmente 7$200 réis” ao seu senhor, além de comer e vestir “a sua custa” (Gazeta do Rio de Janeiro, 29/9/1821). O valor é superior ao aluguel médio de uma casa térrea, que, segundo Nireu Cavalcanti (400-401), para 1808-1810, era 5$000.
O Fluminense e O Parahyba nos dão uma dimensão ainda melhor, pois permitem equacionar os preços dos alugueis com valores de arrendamento de bens de raiz e concluir que o preço do aluguel de um escravizado por vezes se aproximava do valor alcançado alugando uma casa, ou até superava, podendo o retorno do investimento em um cativo ser mais rápido do que o aplicado num imóvel. ¹⁵ Em Petrópolis, informava-se a demanda por “um homem ou mulher de cor, que cozinhe bem ao menos o trivial, não excedendo o seu aluguel de 25$000 por mês” (O Parahyba, 9/5/1858). O anúncio pedia que o valor não fosse superior ao informado, o que sugere que os preços habituais pudessem ser superiores aos 25$000. Ainda assim, o valor é superior ao de uma “casa com cômodo para negócio e pequena família”, perto da ponte do Itamaraty (fora do centro), alugada por 15$000 mensais (O Parahyba, 30/1/1859). O preço de uma casa “com seis quartos, cozinha e cocheira”, em Petrópolis, anunciada em 1859 por 35$000 mensais, poderia equivaler ao aluguel de um escravizado.¹⁶
Em Niterói, para citar alguns exemplos, encontramos “uma preta de meia-idade e boa cozinheira” a ser alugada por 25$000 mensais (O Fluminense, 2/3/1879); “uma preta que lava, engoma e cozinha, por 35$000 pagos adiantados” (O Fluminense, 1/8/1879); “um preto cozinheiro e copeiro por 35$000” (O Fluminense, 12/10/1879); “um ajudante de cozinha por 30$000” (O Fluminense, 12/3/1880); “uma preta moça que cozinha e lava” por 30$000 (O Fluminense, 18/4/1880); “por 35$000, pagos adiantados, uma preta que cozinha perfeitamente de forno e fogão, e lava” (O Fluminense, 13/2/1881); e “para casa de pequena família, por 30$000, uma escrava perfeita cozinheira” (O Fluminense, 20/7/1881).¹⁷ Os valores são equivalentes ou superiores ao aluguel de uma chácara, na “rua de S. Lourenço, em frente à capela de Santo António, com casa para família regular”, anunciada por 30$000 mensais ( ou de um “grande armazém com cômodos, quintal e água, na rua da Praia, n.º 415, em frente à estação”, anunciado também por 30$000 (O Fluminense, 20/5/1881). ¹⁸ Assim, em muitos casos, às custas do esforço alheio, foi possível à classe senhorial enriquecer tanto quanto com rendimentos obtidos nos investimentos em imóveis urbanos.
Os vestígios do cotidiano
Apesar da associação das mulheres ao trabalho doméstico nem sempre ter sido um vínculo obrigatório e o único determinante,¹⁹ foi esta a associação que os colonizadores fizeram prevalecer na sociedade brasileira, que desenvolveu um ideal de família derivado da antiga tradição portuguesa, consolidando o marido e o pai como o chefe indiscutível da família (Graham 11). O reflexo disso no trabalho dos escravizados fica evidente a partir dos nossos dados relativos a três distintos períodos do Oitocentos. Isso porque a cozinha parece ter sido o único espaço doméstico aplicável ao trabalho dos escravizados do sexo masculino, ainda assim, de acordo com as estatísticas, em menor proporção. Nos anúncios analisados, a cada dez cozinheiros, sete eram mulheres e três eram homens.²⁰
Os periódicos mostram que as mulheres, em geral, eram aplicadas neste ofício no interior das casas, enquanto, no caso dos escravizados do sexo masculino, este ofício podia ser exercido tanto no ambiente doméstico quanto em estabelecimentos externos, como tabernas, casas de pasto e hotéis. Em ambos os casos, o ofício exercido na cozinha era associado e anunciado em conjunto com outras funções cotidianas.
No caso das mulheres, a imprensa mostra que a multiplicidade de funções era quase que obrigatória. Apesar de existirem anúncios que apontam a escravizada apenas como “cozinheira” ou “boa cozinheira” (Gazeta do Rio de Janeiro, 14/9/1811; Gazeta do Rio de Janeiro, 5/6/1819; Gazeta do Rio de Janeiro, 18/8/1819; O Fluminense, 1/1/1880), a grande maioria indica este ofício junto a outros serviços, sobretudo lavadeira, engomadeira, costureira, ama de leite e ama seca. Nestes demais serviços domésticos os homens não eram aplicados, salvo raras exceções, como um “crioulo que lava, engoma e cozinha” (O Fluminense, 20/11/1881). Inclusive, por vezes, é difícil determinar as funções, sobretudo quando os anunciantes se limitam a escrever que a escravizada é para “serviço de casa” ou “serviço doméstico”. Especialmente para as mulheres, a expressão “tanques, fogões e vassouras”, usada por Leila Algranti (83) para classificar as funções da escravidão urbana, condiz em alguma medida com o que está anunciado nos jornais.
Se para o caso das mulheres o trabalho na cozinha era associado a estes outros serviços domésticos, para os homens as funções anunciadas em conjunto eram mais variadas, além da maior probabilidade de aparecerem apenas descritos como “cozinheiro” (Gazeta do Rio de Janeiro, 25/7/ 1812; O Parahyba, 16/5/1858; O Fluminense, 5/2/1879; O Fluminense, 17/12/1879),“bom cozinheiro”(Gazeta do Rio de Janeiro, 19/2/1812; Gazeta do Rio de Janeiro, 16/2/1820; O Fluminense, 1/9/1880), “cozinheiro de forno e fogão” (O Parahyba, 13/10/1859; O Fluminense, 19/3/1880; O Fluminense, 4/9/1881), “cozinheiro de forno, fogão, massas e doces”(O Fluminense, 5/10/1879), “perfeito cozinheiro” (Gazeta do Rio de Janeiro, 9/10/1811).As outras funções anunciadas são diversas, como “mestre de fabricar açúcar e bom cozinheiro” (Gazeta do Rio de Janeiro, 6/9/1817), “cozinheiro e boleeiro” (Gazeta do Rio de Janeiro, 17/3/1813), “cozinheiro e marinheiro” (Gazeta do Rio de Janeiro, 27/7/1814),“muito bom cozinheiro e marujo” (Gazeta do Rio de Janeiro, 8/2/1812),“cozinheiro e copeiro” (O Fluminense, 30/7/1880),“cozinheiro e copeiro e que serve para qualquer serviço” (O Fluminense,i> 25/1/1880),“cozinheiro e comprador” (Gazeta Extraordinária do Rio de Janeiro, 6/4/1812),entre outras.
Num século XIX que marcou um período de crescente regulação de condutas e posturas, associada à tentativa da elite de fazer da escravidão um cenário invisível (Schwarcz 116 e 195-205), algumas memórias deixaram vestígios da importância que os cozinheiros escravizados tinham para o cotidiano doméstico. Em 1819, em carta endereçada ao seu pai em Lisboa, o bibliotecário Luís Joaquim dos Santos Marrocos, explicando sobre a rotina com a sua mulher no Rio de Janeiro, escreve que “quanto a alimento, passamos muito bem, porque sendo com abundância o fornecimento diário desta casa, todos os escravos são cozinheiros, e o meu antigo preto é além disto o comprador, merecendo muito a minha estimação, por não ter vícios alguns”. A casa tinha ainda, segundo a carta, uma lavadeira, que também era compradora, e “duas negrinhas mocambas, que são costureiras e engomadeiras, e uma delas é também rendeira”, sendo que todas “cumprem o serviço não só de cozinha, como de sala, quando sucede ser este preciso” (Marrocos 444). Cinco anos depois, em 1824, chegou ao Rio o comerciante Ernst Ebel, natural de Riga. Nessa altura, publicou um anúncio no Diário e logo lhe foi “oferecido por pessoa de confiança uma pretinha”, que “não somente lavava a roupa, como a consertava e, em caso de necessidade, entendia um pouco de cozinha” (Ebel 29).
É recorrente encontrar um cozinheiro, normalmente escravizado, nas descrições da composição e dos moradores das habitações das famílias fluminenses. Em Niterói, em 1879, uma notícia dava conta de que os herdeiros de D. Euphrosina Maria da Glória estavam recebendo propostas para a venda dos escravizados deixados como herança pela finada, que tinha três cativos, entre eles o cozinheiro Ismael, de 18 anos (O Fluminense, 18/7/1879). No Rio de Janeiro, Ynaê Lopes dos Santos analisou o inventário, de 1806, do capitão Bernardo José Teixeira Rabello, com casa na rua Direita, onde tinha nove cativos “economicamente ativos”, entre eles “o cozinheiro Gaspar Angola, de 40 anos”. Outro inventário, de 1807, do pescador Manoel Soares, refere-se a um habitante com bem menos recursos que o capitão, mas ainda assim deixando como herança nove escravizados, entre eles Joanna Congo, de 25 anos, que cozinhava e fazia vendas (Santos, Além da senzala 54-56).Em 1885, o juiz Anphilophio Botelho Freire de Carvalho explicou estar impedido de assumir um novo cargo noutra província porque sua cozinheira, e única criada, estava doente e não podia viajar (Graham 13).
Fonte privilegiada para resgatar as representações do passado, a literatura também nos informa sobre a presença de cozinheiros e cozinheiras escravizados nas habitações. Em A Moreninha, publicado pela primeira vez em 1844, ao descrever um jovem escravizado pelo estudante Augusto, Joaquim Manuel de Macedo indica que “o bom Rafael era ao mesmo tempo o seu cozinheiro, limpa-botas, cabeleireiro, moço de recados e… e tudo mais que as urgências mandavam que ele fosse”. Uma dessas urgências veio de um amigo de Augusto, o também estudante Fabrício, que “fez-se acompanhar do moleque” porque “tinha um papel de importância a mandar”. Rafael, neste caso, serviu para recados. Às dez horas da noite, Augusto estava aflito com a ausência. É que, sem o escravizado, “via-se atormentado de fome” (Macedo, A Moreninha 47). O mesmo autor, anos depois, escreveu As vítimas-algozes, romance de 1869 em que contrapõe claramente a sala, local dos senhores, à cozinha, onde labutavam os escravizados, tendo sido, segundo a narrativa, no ambiente da cozinha que o “crioulo Simeão”, criado “no amor dos senhores”, tomou “a consciência da sua escravidão” (Macedo, As vítimas-algozes 22).
Um dos trechos de O Mulato, romance de 1881 de Aluísio Azevedo que crítica a sociedade maranhense do final do século XIX, narra uma conversa entre o cônego Diogo e o comerciante português Manuel Pescada. A dada altura o primeiro afirma que “no fim de contas estão se vendo por aí todos os dias superiores pretos como nossas cozinheiras! Então isto tem jeito?!” (Azevedo, O Mulato 30). Além do diálogo representar a descredibilização da população negra livre e liberta, evidencia também a associação dos negros à cozinha.Ao longo da história os escravizados da casa são frequentemente mencionados, sendo que “a criadagem de Manuel compunha-se de Mônica — uma cafuza idosa, que amamentara Anna Rosa e lavava a roupa da casa, Benedito e Brígida; além destes havia uma preta só para engomar, outra só para cozinhar e outra só para levar recados na rua” (Azevedo, O Mulato 100). A partir de uma outra passagem, podemos inferir que, apesar de existir uma cativa cozinheira, outros também trabalhavam na cozinha. O narrador conta que “Manuel só apareceu à hora do almoço, que nesse dia foi mais tarde, porque os escravos, empenhados em se pôr ao fato de tudo o que sucedera, descuidaram-se das obrigações” (Azevedo, O Mulato 471).
Dentro de casa, boa parte do trabalho se dava à volta da cozinha, surgindo, inclusive, uma menção à “opinião pública da cozinha”, conforme escreveu José de Alencar no romance Senhora, publicado em 1875, para referir a opinião dos escravizados de uma casa (Alencar 165).²¹ Todo o trabalho associado à cozinha era exercido pelos cativos, que eram com frequência encarregues, por exemplo, de fazer as compras (Soares 161-162). Quanto à água, importante para todas as tarefas na cozinha e para as necessidades do corpo, também eram na maior parte das vezes os escravizados encarregues de sua obtenção, a partir de cansativas idas aos chafarizes e fontes da cidade.²²
As cozinhas eram preenchidas por “inconveniências”, na ótica de John Luccock, comerciante inglês que chegou ao Rio de Janeiro em 1808. Entre as piores, escreve o observador, “acha-se uma tina destinada a receber todas as imundícies e refugos da casa; que, nalguns casos, é levada e esvaziada diariamente, noutros somente uma vez por semana, de acordo com o número de escravos” (Luccock 132). ²³ Também no princípio do século XIX, outro viajante, o inglês John Mawe, descreveu as cozinhas em São Paulo, até mesmo as de casas abastadas, como “um espaço imundo com chão lamacento”, muita fumaça e tudo “enegrecido pela fuligem” (Mawe 75). Associadas ao trabalho escravo, as cozinhas eram normalmente edificadas fora do núcleo principal da habitação, reforçando a alteridade entre o espaço dos brancos e o dos negros escravizados.²⁴ Mesmo nesses casos, a distância era muito menor do que as existentes nas plantações rurais, pois as condições impostas pelas habitações urbanas forçavam uma maior proximidade.
Na cozinha, conforme reproduzem os anúncios, o trabalho dos escravizados, de ambos os sexos, era classificado muitas vezes segundo o dizer da época no que se refere às habilidades. Bons cozinheiros eram descritos como “cozinheiros de forno e fogão”, enquanto os que cozinhavam somente com panelas sobre o fogão eram titulados de “cozinheiros do trivial”.²⁵ Independentemente de suas capacidades, e numa época em que as cozinhas não eram planejadas para a economia de movimentos, ²⁶ era certamente um labor estressante que ocupava os cinco sentidos da pessoa e consumia boa parte do dia.²⁷
O fato dessas competências serem publicitadas nos jornais, contudo, coloca-nos diante de um paradoxo. Isso porque, seguindo o pensamento de Sidney Mintz, os anunciantes indiretamente reconheciam a humanidade dos trabalhadores e apontavam habilidades humanas notavelmente contrárias ao pensamento e aos objetivos econômicos iniciais da sociedade que os escravizava, que era o simples uso da força bruta (Mintz 61). ²⁸ Este implícito reconhecimento, por outro lado, é fundamental ser impresso nos jornais, uma vez que são essas capacidades anunciadas que facilitariam a venda/aluguel do indivíduo.
Em diversos casos, conforme nos revelam os anúncios de venda e aluguel, os escravizados eram aproveitados enquanto cozinheiros em estabelecimentos externos. Isso porque, para além dos cozinheiros e cozinheiras domésticos, existiam também aqueles que eram alugados ou vendidos para hotéis, hospitais, hospedarias, casas de pasto, padarias e também aqueles cozinhavam para vender nas ruas e pagavam um “jornal” periódico aos seus senhores, sendo que, para alguns senhores, o rendimento obtido com o “ganho” dos escravizados era suficiente para se sustentarem (Debret 44). Acima referimos um cativo próprio para casa de pasto, anunciado na Gazeta, mas também sabemos que outros espaços utilizavam escravizados, muitos deles aplicados na cozinha.
Para citar alguns exemplos localizados nos jornais: em Petrópolis, o Hotel de Hamburgo valia-se de “uma preta para todo o serviço” (O Parahyba, 2/10/1859), enquanto o Hotel da Presidência tinha a seu serviço “oito bons escravos” (O Parahyba, 31/3/1859); a cozinha do hospital de Petrópolis funcionava com um “cozinheiro branco e um servente africano, que como os demais africanos fazem também o serviço de carreto de lenha, água e toda a limpeza do hospital” (O Parahyba¸ 22/4/1858); ²⁹ nos arredores da cidade, em Bemposta, precisava-se de um “bom cozinheiro” para uma hospedaria e casa de pasto (O Parahyba¸15/4/1858); em Niterói, o Hotel Marselhe precisava de um “perfeito cozinheiro” (O Fluminense, 4/5/1879); outro anúncio indicava o aluguel ou a venda de um “perfeito cozinheiro de forno e fogão” especificamente para um hotel (O Fluminense, 4/9/1881); no Rio, é possível localizar nos anúncios cativos cozinheiros em casas de pasto, conforme já referido, além de estabelecimentos que têm cozinha e referem o trabalho escravo, apesar de não citarem serem especificamente cozinheiros, como padarias e hospitais (Gazeta do Rio de Janeiro, 14/8/1819; Gazeta do Rio de Janeiro, 30/4/1814).
Um outro grupo de cativos que trabalhava no ambiente externo era representado pelos que tinham autorização dos senhores para mercadejar nas ruas. Ao lado de uma série de produtos que vendiam, muitos aproveitavam para comercializar comidas que preparavam.Jean-Baptiste Debret, pintor francês que chegou ao Rio de Janeiro em 1816, representou, em suas artes, escravizados e libertos que vendiam doces e bebidas no Largo do Paço e os que vendiam angu nas praças públicas (Debret 47 e 111). O angu, aliás, era facilmente encontrado nas ruas do Rio de Janeiro, representando, inclusive, espaços de sociabilidade (Santos, Além da Senzala 129). Outro pintor francês, François Biard, chegou ao Rio em 1858 e observou nas ruas “negras vendendo café e carne seca com feijão”(Biard 41). Certamente este mercado ambulante de alimentos era capaz de envolver simultaneamente libertos e escravizados (Dias 92; Teubner, Street Food). Pelos jornais vemos que, em 1819, o padre Ayrão anunciava uma “negra cozinheira e quitandeira” (Gazeta do Rio de Janeiro, 14/8/1819), e um anúncio de fuga diz que, em 1881, o “escravo Benedito” costumava “vender quitanda em Niterói” (O Fluminense, 14/10/1881).
Para os que saíam, a rua representava muitas vezes um ambiente mais acolhedor do que a casa do senhor. Criavam-se sociabilidades nos lugares onde vendiam as quitandas, nas filas dos chafarizes ou durante a lavagem/secagem das roupas nos tanques, por exemplo. Em meio a isso, em alguns casos, parecem ter vislumbrado ocasiões de fuga, como foi o caso de Benedito, em Niterói, mas não só.Rosa fugiu depois de sair “com um barril novo a buscar água” (Gazeta do Rio de Janeiro, 8/3/1809). O mesmo fez “José, de nação Cabinda, com oito meses de terra”, ao escapar quando “ia buscar água ao chafariz” (Gazeta do Rio de Janeiro, 9/9/1820), provavelmente o do Campo de Santana, próximo da Rua de S. Pedro, onde morava o seu senhor, que, aliás, no mesmo anúncio da fuga de José, informava ter um “negro cozinheiro” para vender.
Joaquim, escravizado por Manuel Gomes de Oliveira Couto, morador da rua Direita, no Rio, aproveitava momentos de autonomia para “alugar-se por liberto”, tal como o fez Paulo, escravizado por um oficial da Secretaria de Estado dos Negócios do Reino chamado João Carneiro de Campos, que era cozinheiro e, ao fugir, andava “inculcando por livre a fim de ser como tal acomodado em alguma casa” (Gazeta do Rio de Janeiro, 9/12/1819). A informação sobre Joaquim consta num anúncio publicado a pedido de Manuel, que há dois meses não sabia do paradeiro do escravizado (Gazeta do Rio de Janeiro, 23/3/1816). Ao que parece, foi numa dessas brechas que ele desapareceu. Não sabemos se Joaquim era cozinheiro, mas, diante da demanda por este ofício, é possível supor que sabia cozinhar, tendo inclusive “um sinal de queimadura sobre uma sobrancelha”, que poderá ter obtido enquanto cozinhava. Outras fugas, aliás, são descritas com sinais de queimaduras (Gazeta do Rio de Janeiro, 11/8/1815; O Parahyba, 2/12/1858; O Parahyba, 20/2/1859).
Em muitos cenários a liberdade para sair às ruas não era concedida pelos senhores, sobretudo no caso das mulheres. Nestes casos, mesmo quando anunciavam o aluguel das escravizadas, informavam a necessidade de permanecer no ambiente doméstico. Na Gazeta do Rio de Janeiro, informava-se a ampla gama de ofícios de uma “preta que sabe coser, engomar, lavar, cozinhar, fazer doce, servir a mesa, compor uma bandeja de chá, servir de criada para vestir a uma senhora, e tudo o quando diz das portas adentro”. No entanto, o anúncio determinava que “só se aluga em casa de família” e que não se poderia permitir as saídas para a rua (Gazeta do Rio de Janeiro, 13/1/1813). Em Petrópolis, o aluguel de “uma preta que cozinha o trivial, cose, engoma e faz todo o mais serviço de casa” só seria efetivado “com a condição de não sair só à rua” (O Parahyba, 8/4/1858). Em Niterói, o discurso era o mesmo: uma “escrava perfeita cozinheira” era alugada “com a condição de não sair à rua” e a mesma condição era imposta para alugar um “moleque perfeito copeiro e com princípios de cozinha” (O Fluminense, 22/12/1880; O Fluminense, 22/5/1881).
O fato de cozinheiros e cozinheiras, escravizados ou até mesmo os libertos inseridos numa liberdade restrita e precária, serem aplicados em serviços domésticos ou no interior de estabelecimentos externos não fazia deles isentos da violência inerente às relações escravistas. Num testemunho em primeira mão, Olaudah Equiano, escravizado na Virgínia, recorda que, na casa do seu senhor, ficou amedrontado por ter visto “uma escrava negra que estava cozinhando o jantar”. O que o assustou foi a forma como a cozinheira se encontrava “oprimida por diversos artefatos de ferro”, sendo que um deles, na cabeça, “obstruía sua boca tão firmemente que ela mal conseguira falar, ficando incapaz de comer ou beber”(Equiano 66). Semelhantes itens são mencionados por Machado de Assis como traços da escravidão no Brasil (Assis, Pai Contra Mãe 11).
O mesmo Machado de Assis, num dos seus mais famosos romances, dá conta da violência doméstica ao apresentar a infância de Brás Cubas, personagem que nasceu em 1805 e era filho de um dono de escravizados. Um dia, conta o personagem de Memórias Póstumas de Brás Cubas, “quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher do doce de coco que estava fazendo”. O narrador prossegue explicando que “não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer a minha mãe que a escrava é que estragara o doce ‘por pirraça’; e eu tinha apenas seis anos” (Assis, Memórias 41). Uma possível interpretação do texto é que, recorrendo à ironia, Machado mostra como a educação da classe senhorial no Brasil oitocentista naturalizou semelhantes violências contra os escravizados domésticos. Embora tivesse apenas seis anos, Brás Cubas cresceu numa família proprietária de cativos e aprendeu rapidamente que violentar a escravizada doméstica era aceitável.
Uma notícia d’O Fluminense referente a um trabalhador de cozinha livre ilumina esta violência cotidiana. Com a manchete “barbaridade” destacada, a notícia fala sobre “Cândido Gomes, brasileiro, há três meses está empregado, como cozinheiro, em uma taberna na rua de S. Lourenço, pertencente ao espanhol Domingos Pençado”. O periódico descreve que o cozinheiro, ao pedir o seu ordenado ao patrão, este ficou enfurecido e “lançando mão de um pau, esbordoou Cândido; não contente com isso, pegou numa frigideira que estava no fogo, com grande quantidade de gordura e a ferver, entornou-a pelas costas de Cândido”. A seguir, continua a notícia, Pençado “encerrou a vítima em sua própria casa, de modo incomunicável”. O caso foi denunciado e o inspetor do quarteirão foi até a taberna do espanhol, que “fez vir à sua presença o referido Cândido e, com efeito, encontrou-o num estado digno de compaixão”. O cozinheiro tinha o dorso “completamente em carne viva (queimadura em 4º grau), com a pele totalmente solta”.
Temos notícia deste caso porque refere-se a um trabalhador livre. Muitos episódios como este certamente aconteceram contra escravizados e libertos sem, no entanto, tornarem-se pauta para os periódicos noticiosos. O próprio redator do periódico de Niterói termina a notícia com uma conclusão que tem muito a dizer acerca do que acontecia com outros trabalhadores em condições mais desfavoráveis, como escravizados e libertos: “é impossível haver testemunhas para um tal fato que se deu portas adentro” (O Fluminense, 8/4/1881).
Ainda assim, preocupados em localizar escravizados fugitivos, alguns anunciantes publicavam anúncios de fuga extremamente detalhados, permitindo que esses comunicados por si só iluminem um pouco mais esses cantos escondidos das cidades escravistas. N’O Parahyba, o escravizado Paulo Gouveia era cozinheiro e estava foragido com “sinais de surras antigas e um sinal na cara como de um talho” (O Parahyba, 26/9/1858). Agostinho, que sabia cozinhar, ler, escrever e contar, fugiu com “sinais de açoites nas nádegas” (O Parahyba, 7/11/1858). Estes foram os dois anúncios que localizamos citando castigos em escravizados descritos como cozinheiros, mas muitos outros anúncios de fuga referem “sinais” de violência em escravizados sem especificar os ofícios que exerciam antes de “desaparecerem”.
Aplicados à culinária doméstica, os cativos tinham acesso a um componente essencial à saúde dos seus senhores: a alimentação. E isso, nalguns casos, apesar de não parecer ter sido comum, serviu de ferramenta para os escravizados atentarem contra a vida dos senhores, transformando estes em “vítimas de suas vítimas”, conforme descrevem Bezerra Neto e Sidiana Macêdo ao analisarem a notícia de um envenenamento no Pará. Nos Estados Unidos e no Caribe, há referências a escravizados envolvidos em envenenamentos dos escravizadores (Brathwaite 157-158; Deetz 73-98).³⁰ Em 1811, no Rio de Janeiro, Marrocos comentou que “acontece frequentemente” casos de “pretos matarem seus senhores com veneno”(Marrocos 89). Em Petrópolis, O Parahyba noticiou a morte de Mm. Pegels, sogra do Sr. Dr. Touzet, tendo sido a única vítima de um envenenamento de alimentos (O Parahyba, 31/3/1859). Um escravizado de nome Vicente era suspeito do crime, segundo a notícia.
Apresentados alguns vestígios do cotidiano dos escravizados cozinheiros, cumpre referir que este ambiente não foi descontinuado com as graduais restrições à escravização nas últimas décadas do Oitocentos e nem sequer com o fim definitivo da escravidão. Num cenário em que as classes dominantes associavam trabalhadores domésticos à desonestidade e à imoralidade, existiu, para os libertos e os trabalhadores livres, relações de contiguidades sociais e simbólicas entre escravidão e trabalho doméstico(Souza 516-526; Graham 110). Incluem-se neste aspecto as estratégias dos senhores em manterem os libertos como “fiéis e submissos a seus antigos proprietários”(Chalhoub 100), além do persistente racismo que os impossibilitou de explorar as condições de mercado (Klein 30; Dolhnikoff 128). Regra geral, muitos egressos da escravidão permaneceram em serviços domésticos e de cozinha. Em Niterói, por exemplo, alugava-se “um preto forro para cozinheiro”, “um cozinheiro, preto moço e livre”, “um bom cozinheiro liberto” e “uma preta livre com um filho de dois anos, para cozinhar e engomar” (O Fluminense, 19/2/1879; O Fluminense, 21/9/1879; O Fluminense, 7/3/1880; O Fluminense, 25/11/1881). Com uma liberdade precária, ex-escravizados continuaram a providenciar os serviços de cozinha que os números e os discursos da imprensa mostram terem sido de fundamental relevância para as classes dominantes durante todo o período oitocentista.
Considerações finais
A partir de “um pé na cozinha”, expressão racista que se perpetuou no Brasil fazendo associação entre a negritude e o fogão, a socióloga Taís de Sant’Anna Machado nota que “a cozinha e o trabalho culinário são signos centrais para refletir sobre situações contemporâneas”(Machado 368), com origens marcantes no passado escravista. O presente artigo mostrou, a partir de informações e dados obtidos pelos anúncios da imprensa, memórias escritas e as representações deixadas pela literatura oitocentista, que o trabalho na cozinha foi o mais requisitado nas cidades fluminenses ao longo do século XIX e que, neste cenário, o cotidiano no interior das casas urbanas oitocentistas fez com que fatores hierárquicos associados a raça, classe e gênero fossem bem balizados.
Os números que os anúncios dos jornais fornecem permitem concluir que, seja pela elevada quantidade de anúncios de escravizados seja pelos rendimentos que muitas vezes equivaliam aos de um bem de raiz, as noções de bem-estar e conforto da classe dominante ao longo de todo o século XIX estiveram ligadas à dependência dos serviços prestados pelos cativos no interior das casas, sendo o ofício de cozinheiro fundamental para isso, o que explica a indignação de Araújo, que ficou desprovido de cozinheiras, no conto de Artur Azevedo, citado na introdução deste artigo. Além disso, em variados casos, a acumulação de capital dos senhores também esteve associada aos cozinheiros. Para arrematar, é possível concluir que, em maior ou menor medida, cozinheiros e cozinheiras escravizados serviram de impulso para o enriquecimento e o conforto da classe senhorial fluminense do século XIX. Ainda assim, os jornais, as memórias e a literatura oitocentista abrem apenas uma fresta para o que foi o cotidiano dos escravizados cozinheiros. Certamente o uso de outras fontes poderá iluminar ainda mais as vidas daqueles que cozinharam para os seus opressores.
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Notas
- 1 - Mestre em História Moderna e Contemporânea pelo ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa e doutorando em História Moderna e Contemporânea pela mesma instituição. Correo: jvrpires@gmail.com
- 2 - Segundo o Trans-Atlantic Slave Trade – Database, mais de 2 milhões de escravizados desembarcaram no Brasil vindos do continente africano no século XIX, sendo 1,2 milhão desembarcados no Rio de Janeiro, o maior porto escravista do Oitocentos. Ver: slavevoyages.com.
- 3 - Florentino demonstra que a chegada da família real e a abertura dos portos do Brasil ao comércio externo “elevaram o tráfico a níveis altíssimos” (Florentino, Em Costas Negras 46-51).
- 4 - O estabelecimento dos complexos de café no Vale se deu entre as primeiras décadas do século XIX e os anos 1830. O auge da produção foi nas décadas de 1860 e 1870 (Muaze 59).
- 5 - Sobre as cidades escravistas, ver: Carvalho, Cidades 208-217; Gorender, 497-513; Soares; Algranti. Para um balanço da historiografia sobre a escravidão urbana, ver: Santos, Escravidão urbana 500-531.
- 6 - Podemos citar, por exemplo, pesquisas sobre os marinheiros (Rodrigues 9-35; Candido 395-409) e os ofícios de cura (Pimenta), mas também sobre os cozinheiros, muitos deles escravizados, nas embarcações dedicadas ao tráfico (Teubner, Cooking at sea).
- 7 - Desde Gilberto Freyre, pioneiro em 1934 ao abordar a riqueza dos anúncios dos periódicos numa palestra no Rio de Janeiro, a imprensa passou gradualmente a ser mais utilizada em pesquisas. Autores como Alberto da Costa e Silva (126-135), Flávio dos Santos Gomes, José Curto (67-86) e Tom Costa (36-43) apontam que a sistematização dos anúncios em estatísticas permite a obtenção de informações ricas sobre os cantos escondidos da escravidão.
- 8 - Todos os periódicos consultados estão disponíveis na Hemeroteca Digital Brasileira.
- 9 - A liberdade de imprensa foi estabelecida em 2 de março de 1821 (Morel 167).
- 10 - A cidade do Rio de Janeiro, considerando apenas as freguesias urbanas, oferece um sumário do comportamento da escravidão urbana ao longo desse período: em 1821, contabilizava-se cerca de 36 mil escravizados e uma população total de 79 mil; em 1849, o número de cativos chegou a 78 mil numa população de 205 mil (Karasch, 110-112); em 1872, eram 37 mil escravizados numa população de 228 mil, tendo em conta a ampliação da área urbana da cidade nesse período (Recenseamento da população do Império do Brasil de 1872). Para Petrópolis, sabemos que em 1858 a população era estimada em seis mil habitantes (Relatório Anual de Sérgio Marcondes de Andrade, diretor da Imperial Colônia de Petrópolis, impresso de forma faseada n’O Parahyba entre 25/3/1858 e 22/4/1858) e em 1872 existiam cerca de 7 mil habitantes no município, incluindo 433 escravizados (Recenseamento da população do Império…). Quanto à cidade de Niterói, incluindo as seis freguesias do município, em 1872, trabalhavam aproximadamente 12 mil escravizados numa população de cerca de 48 mil pessoas (Recenseamento da população do Império…).
- 11 - Muitos cativos que vendiam em barracas frutas, vegetais, ovos e pratos que confeccionavam ficaram conhecidos como quitandeiros (Soares 184; Teubner, Street Food).
- 12 - Outros pesquisadores já se depararam com essa indefinição nos anúncios, como Flávia Fernandes de Souza (117) ao pesquisar no Jornal do Commercio.
- 13 - Reiteramos que algumas funções com menor representatividade, mas que aparecem aqui e ali nos anúncios, podem não estar presentes nas listagens. Para chegar aos números referentes a cada ofício, consideramos somente menções nos anúncios que citavam que uma pessoa exercia tal função, não incluindo anúncios de demanda, que procuravam por escravizados de determinado ofício. Na nossa pesquisa, não utilizamos, na medida do possível, anúncios sobre livres e libertos, procurando um foco nos escravizados. Mas certamente parte dos anúncios tabulados, devido à mencionada dificuldade em enquadrá-los, refere-se a trabalho não-escravo. Alerta-se ainda à possibilidade de não termos conseguido identificar eventuais repetições do mesmo indivíduo. Quando identificados, nomes duplicados não foram considerados.
- 14 - Neste cenário, muitos compradores/locatários reclamaram, inclusive na Justiça, em função do cativo não ter as características prometidas. Em 1862, por exemplo, no Rio de Janeiro, Joaquim da Fonseca Araújo no ato da compra de Josefa, crioula de 28 anos, para serviço doméstico, foi informado que “de nada sofria a preta” e que era “boa e morigerada”. Poucos dias depois, Josefa fugiu, sendo “depois capturada por um pedestre”, após um “ataque da terrível moléstia epilética que sofria”. Em seguida, “continuou a escrava nas suas fugidas, continuando também a repetirem-se-lhe os ataques”. Após um médico diagnosticá-la com epilepsia, Joaquim reclamou na Justiça ser “vítima da mais revoltante fraude”, alegando ter os motivos suficientes para “na forma da lei ser desfeita a venda”. Josefa veio a falecer meses depois. Ver: Arquivo Nacional (AN), Rio de Janeiro, fundo 84, Relação do Rio de Janeiro, código de referência 84.0.ACI.3468, http://imagem.sian.an.gov.br/acervo/derivadas/BR_RJANRIO_84/0/ACI/03468/BR_RJANRIO_84_0_ACI_03468_d0001de0001.pdf. Muitos casos como este foram à Justiça. As Ordenações Filipinas permitiam essa reclamação, autorizando que o indivíduo fosse devolvido em caso de “doenças ou manqueiras”, sendo preciso provar ao vendedor que o cativo “já era doente em seu poder de tal enfermidade, contanto que cite ao vendedor dentro de seis meses do dia que o escravo lhe foi entregue” (Ordenações Filipinas, livro IV, título XVII). As Ordenações, criadas no século XVII,continuaram vigentes no Brasil durante o século XIX, apesar de algumas determinações terem sido substituídas, como o livro V, revogado após a promulgação do Código Criminal em 1830 (Grinberg 193).
- 15 - Assenhorear homens e imóveis urbanos representaram dois pilares da atividade econômica da elite mercantil do Rio de Janeiro ao longo do século XIX (Fragoso 308). O aluguel de escravizados no meio urbano pode ser visto como mais uma forma de enriquecer com o trabalho dos cativos, tendo sido adotado por grandes, médios e pequenos proprietários (Florentino, De escravos, forros e fujões 105).
- 16 - O Parahyba, 28/4/1859. Há outros imóveis com valores equivalente, como uma casa a 30$000 no Itamaraty (O Parahyba, 21/11/1858), mas também superiores, como uma “casa mobiliada com chácara por 45$000 por mês” (O Parahyba, 16/9/1858).
- 17 - Os valores de aluguel anunciados para cozinheiros, quer em Niterói quer em Petrópolis, estão dentro, às vezes levemente acima, das médias calculadas por Pedro Carvalho de Mello, considerando os mais diversos ofícios, a partir de anúncios do Jornal do Commercio, para esses períodos. Ver: Mello, 80-81
- 18 - Existem também, no entanto, casas por valores superiores, como uma com “grandes acomodações para família” por 60$000 (O Fluminense, 21/12/1881).
- 19 - Valdemir Zamparoni (218-229), por exemplo, mostra que a realidade foi oposta em Moçambique, onde a esmagadora maioria dos serviçais domésticos era constituída por homens. O motivo pelo qual as mulheres não exerciam em geral o serviço doméstico, para o autor, está ligado ao “papel de produtoras agrícolas e reprodutoras biológicas que lhes reservava a sociedade africana de onde provinham”.
- 20 - Na Gazeta do Rio de Janeiro, contamos 90 cozinheiras e 85 cozinheiros;n’O Fluminense, 214 cozinheiras e 62 cozinheiros; n’O Parahyba, 12 cozinheiras e cinco cozinheiros.
- 21 - A expressão aparece numa passagem em que Aurélia ficou surpresa ao saber, por uma mucama, que os escravizados reputavam o senhor de avaro, o que o narrador classifica como “opinião pública da cozinha e da cocheira”, referindo também outro trabalho frequente dos escravizados, como cocheiros/boleeiros, este mais ligado ao ambiente externo e a famílias ricas.
- 22 - Uma variedade de estudos registra este fenômeno, como Karasch 103; Graham, 36; Soares, 162-163. Entre outros muitos registros de viajantes que andaram pelo Rio de Janeiro, John Mawe, que esteve na cidade entre 1809 e 1810, observou que os senhores viviam às vezes a uma milha de distância de um chafariz, “obrigados a empregar pessoas continuamente no transporte de água”. Ver: Mawe, 98.
- 23 - Estes serviços ligados a água e despejo vão reduzir lentamente a partir da segunda metade do século XIX conforme avançam o encanamento e o sistema de esgoto da cidade
- 24 - É possível verificar esta tendência tanto no Brasil quanto noutras regiões escravistas, como Estados Unidos, Jamaica, Suriname e Nova Granada. Ver: Silva, Donas mineiras 178; Silva, Cozinha Modelo 104-105; Deetz 15-42; Wade 57; Brathwaite 236; Benoit 30; Goméz, Entre sambumbes 129-130.
- 25 - No século XIX, os fogões eram a lenha e os fornos, de barro. Fogões a gás começaram a aparecer somente na década de 1890. Sobre isso e as classificações dos cativos, ver: Graham 32-33.
- 26 - Somente com o avançar da industrialização e com a mecanização dos fogões e de outros equipamentos, a partir do fim do século XIX, é que se determinou mudanças no espaço doméstico, eliminando também a tendência das cozinhas afastadas do núcleo habitacional. Ver: Silva, Cozinha Modelo.
- 27 - A descrição é retirada de uma análise que Kelley Fanto Deetz faz do cotidiano de uma cozinheira escravizada na Virginia. Ver: Deetz 15-16.
- 28 - Para Mintz, o implícito reconhecimento da humanidade dos cativos é a contradição central da escravidão do Novo Mundo, sendo que o trabalho na cozinha foi um de muitos que revelaram tal contradição. Ver também: Mintz e Price 25.
- 29 - Não há neste anúncio a confirmação de serem escravizados, podendo ser, por exemplo, indivíduos sob o estatuto de africano livre. Segundo a regulamentação da época, contudo, os africanos livres, aqueles que foram resgatados do tráfico ilegal, eram aplicados em serviços compulsórios por 14 anos (Mamigonian 204-226).
- 30 - No subcapítulo “Notorious poisoners”, Deetz conclui da seguinte forma: “A ideia do envenenamento andava de mãos dadas com a produção de alimentos, uma vez que os cozinheiros escravizados tinham acesso à comida das suas potenciais vítimas. Apesar de relativamente raro, o envenenamento foi um dos muitos métodos de resistência praticados por escravizados, e nos questionamos do porquê de mais cozinheiros não terem tentado envenenar os seus senhores.”